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Quão boa é a situação financeira da Câmara da Maia?

São frequentes as palavras auto-elogiosas do Presidente da Câmara da Maia e do seu executivo acerca da gestão do Município. Provavelmente, todos já lemos na imprensa local acerca dos “feitos” financeiros da Câmara da Maia na redução da dívida.

Mas será que a situação financeira da Maia é assim tão boa? Teremos razões de sobra para ficar descansados em relação à sustentabilidade da gestão municipal? Vejamos:

 

A dívida à EDP

Comecemos por grande anúncio luminoso do executivo.

Em março de 2019, o Presidente António Silva Tiago anunciava à imprensa, com grande satisfação, ter alcançado um “excelente acordo” de pagamento com a EDP que permitiria abater 40% do valor total devido pelos SMEAS desde 1977.

Segundo o executivo municipal, a poupança seria de 5 milhões de euros.

A operação implicava o pagamento imediato de 1,5 milhões de euros e ainda a contração de um empréstimo no valor de 10,2 milhões de euros para pagar a restante dívida.

À primeira vista, o acordo parecia ser benéfico.

Mas o executivo esqueceu-se de apresentar aos deputados municipais uma análise económico-financeira da operação, realçando variáveis que permitissem não apenas a mera comparação de valores nominais mas também perceber qual o risco financeiro envolvido no acordo.

Com a previsão, a breve prazo, da subida das taxas da Euribor, a poupança poderá vir a ser inferior ao valor que o executivo anunciou à imprensa, ainda antes do acordo ter sido aprovado na Assembleia Municipal.

Por outro lado, o executivo também não referiu que no acordo consta uma cláusula que, caso seja acionada pelo credor (por incumprimento do devedor, por exemplo), levará à redução da anulação do valor da dívida e o pagamento integral da mesma.

Ou seja, não há um perdão incondicional por parte do credor e o tão anunciado sucesso negocial do executivo pode, na realidade, ser uma mão cheia de nada.

Além disso, foram logo pagos 1,5 milhões de euros, uma verba que se veio a revelar necessária para melhorar o serviço de abastecimento, recentemente afetado por sucessivos cortes no fornecimento de àgua aos munícipes.

 

As dívida das empresas municipais

A informação que o executivo dá a conhecer aos eleitos da oposição nem sempre é a mais completa, e muitas vezes os deputados municipais dispõem de pouco tempo para analisar documentos importantes e muito extensos que refletem as escolhas do executivo na gestão do Município.

Por diversas vezes, foi pedida informação adicional ou mesmo o adiamento da discussão de determinados documentos sujeitos a deliberação, mas a bancada do PSD/CDS-PP acabou por vetar o adiamento, forçando ao previsível aprovamento por maioria, com os votos de vencido da oposição.

As relações e fluxos financeiros que se estabelecem entre a Câmara e as Empresas Municipais não são claras e por vezes recorre-se a operações de cosmética contabilistica para maquilhar os resultados e apresenta-los de forma mais favorável.

Em geral, as empresas municipais da Maia estão significativamente endividadas. A continuar este cíclo, algumas podem mesmo vir a ter de ser encerradas.

Nos últimos anos, somente a Empresa Metropolitana de Estacionamento da Maia (EMEM), tem apresentado resultados no verde.

De acordo com o Anuário de 2018 da Ordem dos Contabilistas Certificados, a dívida dos Serviços Municipalizados de Energia, Àgua e Saneamento da Maia (SMEAS), era de 19,5 milhões de euros.

Trata-se, nem mais nem menos, do que o maior passivo exigível de uma empresa municipal do país!

Atualmente, o passivo dos SMEAS ascende a 25,9 milhões de euros (números de 2019).

A Maiamabiente, uma das mais importantes empresas municipais, regista hoje um prejuízo de cerca de 1 milhão de euros.

A Fundação Conservatório de Música, sobre a qual raramente se ouve o executivo falar, está em pior situação. Falência técnica.

As receitas provenientes da prestação de serviços não chegam sequer para cobrir os gastos com o pessoal, o que não impede o Conservatório de gastar verbas acima dos 110.000€ em “fornecimentos”.

Sobre a Espaço Municipal, empresa que administra o edificado urbano do Município, a entidade que revê as contas do Município manifestou vários sinais de alerta, “reservas” e “ênfases”, indicadores técnicos de que há preocupações sobre o rumo da gestão da sua Administração.

Na Tecmaia, empresa falida e já dissolvida, o Município da Maia gastou vários milhões de euros ao longo dos anos em injeções de capital para salvar os empregos e negócios em crise do Parque Industrial que se tornou numa "incubadora" de empresas em dificuldades.

Não obstante, o executivo recusa uma auditoria independente às suas contas e a coligação PSD/CDS-PP tudo tem feito para bloquear as tentativas da oposição de propôr a realização de uma auditoria, quer à Tecmaia, quer à própria Câmara Municipal.

Apesar de extinta em 2012, as contas da Tecmaia continuam a estar no vermelho e o património desde 2016 que está para ser liquidado.

Desconhece-se os passos dados até hoje para a concretização do plano de liquidação da empresa e ainda estão por apresentar as contas da Tecmaia referentes a 2016, 2017, 2018 e 2019. Haverá ainda mais surpresas?

 

As dívidas dos fundos de investimento imobiliário

Ao longo dos anos, a Câmara da Maia investiu muitos milhões na constituição de fundos imobiliários para promover a urbanização e desenvolvimento do concelho.

Por razões económicas, esses projetos acabaram por se revelar desastrosos, como é o caso do Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado Maia Golfe.

Criado nas véspras da crise internacional de 2008, o Maia Golfe teve resultados extremamente negativos quase todos os anos, entre 2008 e 2016, até à sua liquidação no ano seguinte.

Também o Fundo de Investimento Imobiliário Fechado Praça Maior, criado em 2010, entrou em insolvência e foi dissolvido em 2016.

Quanto ao Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado Maia Imo, contemporâneo do Maia Golfe, a venda de alguns ativos vai cobrindo as dívidas que se amontuam e disfarçando os prejuízos.

Recentemente, as contas voltam a apresentar resultados no vermelho, com uma taxa de rendibilidade negativa superior a 7%.

Apesar da recusa do executivo em fechar este capítulo, à semelhança dos outros fundos ruinosos comparticipados a 100% pela Câmara da Maia, o destino final deste investimento fracassado já se pré-anuncia.

 

O balanço dos números

Contas feitas, segundo os números avançados pelo executivo, o passivo do universo municipal (Município e EPEs) é de 90,1 milhões de euros.

Contrariando a narrativa propagandística, este número não baixou, antes representa um aumento do resultado líquido negativo de 26,7% em face do ano anterior.

Para tal, contribuem dívidas a entidades públicas como a Autoridade Tributária ou a Lipor. Mas isso não explica tudo. Do Estado central vem também uma parte muito significativa das receitas do Município, por via das transferencias previstas na lei.

A má gestão das empresas municipais e a confiança excessiva no investimento arriscado em fundos financeiros sujeitos às incertezas do mercado capitalista, fizeram com que a dívida do Município se fosse acumulando, ao longo do tempo, até atingir valores incomportáveis.

A necessidade de reduzir o passivo municipal levou, na última década, à drástica diminuição do investimento em àreas importantes. Efeito que ainda hoje se mantém.

O grau de execução de investimento do atual executivo é bastante baixo. Veja-se alguns exemplos do grau de execução global de investimentos (Prestação de Contas de 2019):

Habitação e Serviços Coletivos – 55%, Educação – 55%, Ordenamento do Território – 53%, Segurança e Ordem Públicas – 46%, Transportes e Comunicações – 17%, Cultura – 35%, Desporto, Recreio e Lazer – 56,4%, Educação e Sensibilização Ambiental – 34,2%, Ambiente e Conservação da Natureza – 32,7%, Juventude – 17,5%, Comércio e Turismo - 2%.

O fraco investimento da autarquia muito se deve à pesada herança do passado, mas também à falta de visão de quem prefere gastar milhões na promoção da imagem do Município em deterimento de procurar corrigir as assimetrias de desenvolvimento entre as várias Freguesias do concelho, resolvendo problemas urgentes como a insuficiência da rede de transportes públicos ou a falta de habitação para muitas famílias.

Urge mudar de políticas e construir um caminho de uma gestão mais rigorosa, transparente e virada para as reais necessidades dos maiatos.

O controle da dívida pode e deve ser compatibilizado com o investimento necessário e sustentado em prol da população!