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Afinal o que decidiu o Supremo sobre as perdas de mandato na Câmara da Maia?

Fachada da sede do STA

No dia 29 de outubro de 2020, foi noticiado pela comunicação social que o Supremo Tribunal Administrativo concedeu provimento ao recurso interposto pelo Presidente da Câmara Municipal e um vereador da coligação PSD/CDS-PP.

Quase imediatamente, Silva Tiago e o PSD desdobram-se em comunicados, entrevistas, conferências de imprensa e artigos de jornal louvando muito o fim do dito "processo kafkiano", "injusto" e "sem qualquer sentido", somente com vista a atingir a "honra e bom nome" dos visados na ação e "chegar ao poder a todo o custo", nem que se tenha de "ganhar na secretaria".

Já todos conhecemos de cor estes termos pouco elegantes e argumentos simplórios. O que Silva Tiago e o PSD se esquecem de referir, e que verdadeiramente interessa aos maiatos, é o conteúdo da decisão do STA.

Afinal, que questões foram analisadas pelos juízes deste tribunal?

O que concluiram os juízes sobre cada uma dessas questões?

O que justificou reverter uma decisão judicial já confirmada em sede de recurso?

Iremos por partes.

 

As questões processuais

Uma das primeiras questões "formais" com que se confrontaram os tribunais administrativos, foi a de saber se os partidos políticos tinham legitimidade para intentar uma ação judicial pedindo a perda de mandato de autarcas eleitos, o que era contestado pela defesa dos autarcas do PSD/CDS-PP.

Sobre isso, o STA (tal como o Ministério Público no seu parecer) não teve dúvidas. Os partidos políticos têm "interesse em demandar e utilidade na procedência da ação", tal como os membros dos órgãos autárquicos.

Outro argumento formal, era a questão do prazo para intentar este tipo de ações judiciais. A defesa dos autarcas do PSD/CDS-PP, alegava que o direito de agir tinha caducado pelo decurso do prazo legal de 20 dias.

Também aqui, o STA não dá razão ao PSD/CDS-PP, conformando que o prazo para intentar esta ação pedindo a perda de mandato era de 5 anos.

 

As questões substantivas

A defesa dos autarcas PSD/CDS-PP alegou sempre, ao longo de todo o processo, que não tinha existido nenhuma intervenção de Silva Tiago e Mário Neves no procedimento administrativo em causa, isto é, na tomada da decisão de ser o Município da Maia a assumir a dívida da Tecmaia, imputada pela Autoridade Tributária a estes autarcas, enquanto ex-administradores da empresa pública. O que se dizia, era que estes autarcas não tinham estado presentes na reunião de Câmara onde a proposta foi apresentada, e como tal, não tinham votado.

O STA conclui que, na realidade, essa intervenção se tinha verificado, nomeadamente na fase inicial do procedimento. Os autarcas subscreveram (assinaram) a proposta que foi deliberada e isso é o suficiente para se considerar que tiverem algum tipo de intervenção.

Por outro lado, a defesa alegava que não tinha havido vantagem patrimonial para os autarcas visados (ou para terceiros), pois estes nada tinham ganho com a aprovação da proposta de assunção de dívida e na qualidade de administradores não eram remunerados.

O STA provou que estavam errados, já que a proposta, de facto, se traduz na sua desresponsabilização financeira individual. Facilmente se percebe porquê, tendo em conta que a empresa já tinha sido extinta e supostamente liquidada, levando a AT a realizar uma reversão fiscal contra os seus ex-administradores. Isso implica que estes seriam os devedores.

Por último, o tribunal teve de analisar a parte mais complicada deste processo. Saber se essa intervenção no procedimento deve ou não implicar a perda de mandato daqueles autarcas.

Foi aqui que o Supremo foi mais sensível aos argumentos da defesa, concluindo - em face de jurisprudência anterior do mesmo tribunal - que a sanção de perda de mandato só deve ser aplicada nos casos mais graves, cuja atuação mereça "um forte juízo de censura (culpa grave ou negligencia grosseira)", não bastando para tal a mera culpa ou a simples negligência.

No caso concreto, o STA entendeu que a intervenção verificada era "inócua, no sentido de que sem a sua assinatura [a de Silva Tiago e Mário Neves] sempre o requerimento seria levado à sessão da Câmara" e portanto não houve influência desses autarcas sobre a decisão tomada pelos restantes vereadores da sua coligação.

Caso decidissem em contrário, os juízes sabiam que o passo seguinte seria um recurso para o Tribunal Constitucional, contestando a proporcionalidade da condenação à perda de mandato.

Por outro lado, o facto de uma parte substancial das dívidas fiscais em causa ter sido anulada, com recurso à impugnação junto dos tribunais, teve aqui um peso importante na relativização da culpa dos autarcas visados.

"Atendendo a todo este circunstancialismo não podemos concluir por uma gravidade da intervenção ilícita dos Réus/Recorrentes no procedimento ao co-subscreverem a proposta em causa, que atinja o grau exigível para a perda dos mandatos. Procede, pois, o recurso devendo improceder a ação de perda de mandato.", conclui o Tribunal.

 

As nossas conclusões

Para o Bloco de Esquerda, a grande dúvida desde o primeiro momento foi a legalidade do procedimento de assunção de dívida pelo Município naquela situação. A nossa critica incidiu sobre a precipitação da apresentação da proposta de deliberação que foi adotada pelo executivo PSD/CDS-PP. Se o executivo entendia que a dívida não existia, porque se apressou em decidir que seria o Municipio a pagá-la? Esse erro colocou desnecessariamente em causa a sua honestidade e credibilidade junto dos munícipes, bem como das instituições do poder democrático. É o próprio executivo o grande responsável por tudo o que se sucedeu.

Veja-se que nem mesmo o Tribunal foi peremptório, quando afirmou que "a responsabilidade do Município pelas dívidas fiscais dessa empresa municipal [a Tecmaia] é discutível atendendo a que o Município era acionista, com posição dominante, na empresa municipal em causa, responsável pelo seu equilíbrio financeiro".

Aliás, se o desfecho fosse tão evidente assim, não teriam existido duas decisões (uma de recurso) desfavoráveis ao executivo e o Tribunal de Contas não teria também reprovado a atitude do executivo PSD/CDS-PP num relatório de novembro de 2019. 

Agora que este capítulo se aproxima do fim - o que entendemos como positivo, independentemente das opiniões que se possa ter das decisões judiciais - o Bloco de Esquerda espera que o enfoque dos eleitos locais da oposição se coloque na proposta política alternativa e nas mudanças urgentes que é necessário trazer à gestão municipal, concretamente a correção das desigualdades e assimetrias de desenvolvimento que a Maia tem.

Do BE, os maiatos só podem contar com uma postura responsável, atenta e vigilante, na defesa de uma gestão municipal rigorosa e de confiança, indo ao encontro dos interesses da população que vive no nosso concelho.