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Evocando os 44 anos do 25 de abril (discurso do grupo parlamentar do BE)

Evocar algo é preservar a sua memória. Volvidas duas gerações após o 25 de Abril, há mesmo questões de “memória curta” que têm de ser levantadas aqui, porque, para os mais jovens, o país sem futuro de que se emigra é uma parte do futuro que enfrentam.

O movimento dos capitães rompeu as últimas resistências de uma ditadura moribunda. Abriu-se um tempo de movimentações populares, de construção de um país com um verdadeiro futuro.

Um tempo de tomada de consciência de que a frase salazarenta do “eles é que sabem”, que justificava tudo, todas as injustiças, todos os atropelos, era falsa. E, recordemos também, repetiu-se nas ruas que “o povo é quem mais ordena”!

Tenhamos pois memória! Há décadas que nos tentam inculcar a ideia de que “não há alternativa”. Há décadas que nos tentam vender a pobreza, a austeridade, a sujeição inevitáveis. Há décadas que tentam repetir, às escondidas que “eles é que sabem”.

E o que o 25 de Abril provou, em primeiro lugar, é que há sempre uma alternativa para um povo que toma nas suas mãos o seu destino.

E provou também, em segundo lugar, que há sempre os que, pé ante pé, pela calada, tentam fazer que voltemos ao redil em que nos querem cautos e submissos.

Tenhamos memória que as conquistas de Abril estão presentes hoje, na nossa vida.

Tenhamos memória que o país de analfabetos “irremediavelmente atrasado” que o Portugal do Estado Novo representava, tem hoje um sistema de ensino que abrange o país inteiro, que o analfabetismo praticamente desapareceu, que as nossas universidades são internacionalmente respeitadas.

Mas tenhamos também memória de que um sistema de ensino de qualidade e para todos é há décadas sabotado por gente que, pé ante pé, mais uma vez, o tenta transformar num negócio para alguns, retirando-lhe financiamentos e degradando a sua qualidade, com o argumento que a desigualdade é inevitável, e que é normal financiar com dinheiros públicos colégios de elite.

Tenhamos memória que o Sistema Nacional de Saúde é uma conquista de Abril, de que temos todo o direito em orgulharmo-nos.

Mas tenhamos também memória que os hospitais privados, vivendo de dinheiros públicos, estão por todo o lado, enquanto os jornais falam de serviços de hospitais centrais sem condições para funcionar, porque os tais arautos do inevitável, enquanto governantes, desviaram do sistema público meios e financiamentos.

Tenhamos memória que a Revolução de Abril foi, desde o primeiro dia, combatida e sabotada pela finança nacional e internacional. Em nome do inevitável.

Mas tenhamos também memória que a Revolução de Abril soube defender-se. Tenhamos memória que a banca portuguesa foi nacionalizada, e o país foi defendido da sabotagem permanente, pelo menos durante algum tempo.

E que, se hoje se desbaratam milhares de milhões de euros, que saem dos nossos impostos, para “resgatar” bancos levados à ruína pela ganância e certeza de impunidade da elite financeira, se hoje o regulador principal diz que fez o que devia, apesar dos repetidos descalabros, é porque os defensores do “volta atrás” não têm nem a vontade nem a coragem para defender o futuro que é de nós todos.

Tenhamos também memória dos tantas vezes esquecidos ou mal amados homens de Abril, neste país em que se cortam árvores para não fazer sombra aos arbustos.

E tenhamos de igual forma memória que muitos houve, e há, que fizeram toda uma carreira a destruir metodicamente as conquistas de Abril, gente que quer que não exista memória e que o futuro seja dos “espertos”.

Tenhamos portanto memória. Porque poderíamos continuar, apontando mais e mais exemplos, mas isso não é aqui essencial.

A lição que nos parece essencial tirar, evocando o 25 de Abril, é que ele nos mostrou que era possível. Que o futuro era o nosso futuro.

E tenhamos também memória que o 25 de Abril teve, desde o primeiro dia, adversários que o tentaram silenciar, ou transformar numa data vazia de consequências, para sessões públicas de circunstância, todos irmanados, lobos e cordeiros sob o mesmo tecto, dizendo baixinho: “eles é que sabem”.

Defender Abril é defender o futuro da nossa terra!

Por isso estamos aqui!