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Saber de que lado estamos

Estranho tempo este. De clausura, mas também de percepção de haver quem deseje cortar a “raiz ao pensamento”. Mas não. Ele voa, “porque é livre como o vento”. E porque tem de ser dita, “a verdade é mais forte que as algemas”.

Há 46 anos derrubou-se uma ditadura. Mas os que se encontraram juntos nesse momento não estavam do mesmo lado, quando se tratou de saber que futuro queríamos. Há quase meio século que capital e trabalho se enfrentam, com sucessos e revezes vários. Cada um interpretando o 25 de Abril de modo diferente. Importa, pois, saber de que lado estamos.

O que significa, neste momento, evocar e comemorar o 25 de Abril, para os que se veem e se afirmam de esquerda? Significa, em primeiro lugar, olhar para os nossos dias e identificar as lutas de hoje, os adversários de hoje, não perdendo nunca de vista que há dois lados que se enfrentam. Nestes tempos de COVID 19 esses dois lados continuam a enfrentar-se. Entre um lado branco e um lado negro há muitos tons de cinzento que confundem a clareza das ideias. Não há caminhos fáceis e soluções milagrosas para os que querem construir um futuro mais justo e fraterno. Mas é à esquerda que compete apontar caminhos e propor soluções.

Veja-se, numa primeira abordagem, o papel da banca e dos grandes grupos económicos: que acontece hoje? A banca continua a querer ser salva pelo Estado, com os nossos impostos, vez após vez, e quer leis feitas por medida enquanto continua a falar das “leis do mercado” que não aplica nunca aos seus falhanços e atropelos. O seu contributo para enfrentar a crise humanitária actual é praticamente nulo. Os grupos económicos querem distribuir dividendos, superiores aos próprios lucros (não é isto o que em economia se chama descapitalizar?), e terem leis feitas à medida que lhes permitem fugir aos impostos (ai a Holanda aqui tão perto…). Leis que não são iguais para todos, antes diferentes, conforme o número de zeros nas contas!

Veja-se, também, como é distinta a postura do que é público e do que é privado no combate a um vírus assassino. Como um SNS público o enfrentou, despertando a admiração do mundo inteiro, enquanto os grupos privados de saúde, que floresceram à custa do subfinanciamento e esvaziamento daquele SNS, encerram agora unidades e continuam a ser poupados (incompreensivelmente) à requisição das suas instalações e meios, sempre à conta de leis desiguais, tentando mesmo conseguir lucros fabulosos com a crise que atravessamos.

Veja-se, ainda, como para quem trabalha o futuro imediato é incerto. Os despedimentos e o encerramento de locais de trabalho são a norma e não a excepção e os abusos patronais são frequentes, constantes e, muitas vezes, impunes. As “santas” empresas de trabalho temporário (os engajadores dos nossos dias) transformaram-se em fábricas de desemprego e insegurança; os que antes contratavam trabalho sem direitos são hoje “fornecedores” de desempregados à crise humanitária. E também aqui as mesmas leis desiguais, enquanto se vai falando de “esforço nacional”!

Os caceteiros populistas incomodam-se que se comemore o 25 de Abril. Nada de novo. À gente do 24 foi coisa que os incomodou sempre. Fora de prazo, continuam a suspirar por um António qualquer que “salve a Nação”!

Há 46 anos derrubou-se uma ditadura. O Dia da Liberdade foi o dia da esperança num futuro melhor e mais justo. Esperança tantas vezes traída pelos que foram dizendo: “estamos todos do mesmo lado”. E, porque pensamos saber de que lado estamos, continuamos a dizer, bem alto:

VINTE E CINCO DE ABRIL: SEMPRE!